Quaresma: Tempo de reconciliação
Muito embora o primeiro Domingo de março celebre o 8º Domingo do Tempo Comum – A, a característica pedagógica de março, do ponto de vista litúrgico e espiritual, é penitencial e batismal. Penitencial, porque a Quaresma tem esse perfil, como bem sabemos. Batismal, porque a Quaresma deste ano se caracteriza como catequese batismal para os catecúmenos, aqueles que se preparam para receber o Batismo, na Vigília Pascal. Mas, é também catequese dirigida a todos os celebrantes, que já foram batizados.
A simplicidade do discípulo e a confiança em Deus
“Olhai os lírios do campo, vejam as aves do céu!” Este ensinamento de Jesus retrata muito bem o sentido do 8DTC-A, no contexto das celebrações quaresmais de março. É um ensinamento que propõe o modo como cada celebrante poderá se preparar para iniciar o Tempo da Quaresma: com a simplicidade do coração e, principalmente, depositando sua vida, com toda confiança, nas mãos de Deus. Se o Pai cuida das aves do céu e dos lírios do campo, com mais razão cuidará de nossas vidas.
São três momentos existenciais, apresentados pela Palavra deste 8DTC-A, que concluem a primeira parte do Tempo Comum deste ano e, ao mesmo tempo, introduzem os celebrantes no novo tempo litúrgico, a Quaresma: a confiança, o serviço evangelizador e a proposta para formar uma nova mentalidade. Por isso, nossa proposta celebrativa tem a finalidade de ajudar os celebrantes a considerarem o valor da vida cristã a partir da confiança que depositam em Deus. Disto brota o convite para cada celebrante assumir uma mentalidade nova, a mentalidade do Evangelho, para se relacionar com as coisas da vida cotidiana, colocando a segurança de suas vidas nas mãos de Deus.
Tempo da Quaresma – A
Como adiantado acima, a Quaresma deste “Ano A”, além da característica penitencial, é uma grande e bela pedagogia para conduzir os catecúmenos — adultos e jovens que se preparam para receber o Batismo, na Vigília Pascal — nas semanas, antes de se tornarem cristãos. Uma pedagogia feita com a proclamação da Palavra, proposta para ser contemplada e meditada, e com os símbolos batismais da água (3DQ-A), óleo e luz (4DQ-A) e veste branca (5DQ-A).
Também a Campanha da Fraternidade, que neste ano tem o tema “Fraternidade e tráfico de pessoas”, convida os celebrantes a considerarem o pecado da escravização de pessoas humanas, em vista da exploração financeira. Um tema que iremos tratar em nossas propostas celebrativas com notícias da crônica de jornais e de sites que atuam para combater esse escândalo social, em pleno século XXI.
Primeiras celebrações quaresmais
A primeira chamada de atenção da Quaresma é o grande convite à conversão, feito na 4ª feira de cinzas. A fórmula tradicional da imposição das cinzas é muito forte: “Lembra-te que és pó e ao pós voltarás!" Esta frase retrata o sentido da Quaresma, enquanto convocação para que cada cristão considere o valor de sua vida não a partir do exterior, mas de quem ele é: feito da terra. A primeira finalidade do sinal das cinzas, colocada no início da Quaresma, é convidar a Igreja, enquanto comunidade de discípulos e discípulas de Jesus, a adotar a atitude de penitente. Isto é válido tanto para todas as comunidades, para que se façam penitentes, como é igualmente válido para cada cristão, individualmente. Por fim, um terceiro elemento, relacionado à espiritualidade da Quaresma, que precisamos resgatar. A Quaresma é uma constante motivação para repartir, para recomeçar a estrada, retomar a estrada perdida, especialmente quando existe algum afastamento. Todos temos nossos afastamentos, quando caímos pelo pecado, por isso, a Igreja dispõe deste grande tempo da Quaresma para incentivar a recomeçar o caminho no discipulado.
O lema da Campanha da Fraternidade 2014 traz uma verdade que precisa ser acolhida por todos os cristãos: “É para a liberdade que Cristo nos libertou! Não nascemos para viver escravizados por nada, principalmente por tentações que nos amarram e nos escravizam. São tantas hoje em dia, se consideramos as modas que levam para longe de Deus, as ideologias e mentalidades que afastam de Deus. Por isso, é importante silenciar, e ir ao deserto. O 1º Domingo da Quaresma conduz a Igreja ao deserto, para que silenciosamente possa contemplar que não é nada (é deserto) sem a presença divina em sua vida e em suas atividades evangelizadoras. O mesmo vale para cada homem e mulher, que contemplam em Jesus Cristo o exemplo de jamais abandonar o projeto divino por algum projeto humano, por mais tentador que seja. Um modo para evitar as tentações é aprender com Jesus a vencê-las fortalecendo-se na oração, na Palavra e na confiança (fé) de que o projeto divino é o melhor para nossas vidas. Não se é fiel a Jesus por simpatia — dizia Papa Francisco, no começo deste ano — mas como resposta vocacional.
Quanto ao modo de viver a vocação cristã, a proposta celebrativa do 2DQ-A apresenta três características do chamado vocacional bíblico: é um chamado que comporta envio, não concede algum privilégio especial e tem na Palavra divina a única garantia que alimenta a fé do vocacionado. A vocação ao discipulado passa necessariamente pelo Tabor ou, como é refletido na proposta, por "momentos de tabores", mas é vivenciada essencialmente nas estradas do mundo. Abraão, o pai na fé, é exemplo de como preceder e esperar mesmo quando a esperança parece não ter mais espaço no coração. Quanto aos momentos de Tabores, são todos aqueles momentos que somos alimentados na fé, seja pela oração, pela meditação ou por atividades fraternas. Tudo isso é muito bom e até mesmo necessário, mas o caminho sempre deve continuar nas estradas do mundo, testemunhando o Evangelho.
Domingos catecumenais
A partir do 3º Domingo da Quaresma – A temos, de modo mais explícito, a pedagogia catequética na Liturgia. Esta se encontra principalmente na Liturgia da Palavra, propondo em cada um destes Domingo um símbolo especial, como já mencionamos acima.
Um primeiro sinal para o batizado (quem será e quem já é) é o caminho. O 3DQ-A propõe o caminho feito nas estradas da terra e o caminho interior. Tanto na passagem de Moisés, conduzindo o povo, como em Jesus conduzindo a Samaritana em seu caminho interior, encontramos a imagem do caminho de cada homem e mulher indo ao encontro de Deus, para receber o Espírito Santo que é derramado em seus corações. A Quaresma é um tempo para se deixar conduzir pelo Senhor, através do Evangelho, com a pedagogia de Jesus, para encontrar-se e descobrir cada vez mais a identidade de Jesus. É preciso que ele seja reconhecido por nós como Messias, o local onde podemos nos encontrar com Deus. O símbolo deste Domingo é a água que, no simbolismo do Evangelho de João, significa o Espírito Santo. O batizado entende que seu batismo é feito no Espírito Santo; somos batizados no Espírito Santo de Deus.
Uma vez batizado no Espírito Santo, o batizado torna-se morada do Espírito Santo de Deus. Deus acende nele a sua luz divina, de onde a luz (vela batismal) ser o símbolo do 4DQ-A. O tema da luz não acende a vida de muita gente. No tempo de Jesus, ele cura um cego e os fariseus, mesmo vendo a cura se negam a acolhê-lo como Messias. A isso podemos dar o nome de “drama da luz”. Jesus provoca os fariseus, que insistem viver como cegos diante dos fatos a acolher a luz que ele acende diante de seus olhos. O apelo da Liturgia deste "Domingo Laetare" (Domingo da alegria) é que os celebrantes vivam como filhos e filhas da luz (2L), que se afastem de toda escuridão e de todas as trevas. É uma celebração que se propõe também a ajudar os celebrantes a perceber a possibilidade do "drama da luz" na vida pessoal, que consiste em ver e perceber a presença da ação divina entre nós e, mesmo assim, se negar a crer que o Senhor esteja agindo entre nós.
Conclusão
Como é fácil perceber, as celebrações litúrgicas de março conduzem pedagogicamente os celebrantes a considerar suas vidas pessoas, para que tomem atitude existencial pelo seguimento de Jesus, através do discipulado. Podemos dizer que esta é a grande penitência que a Quaresma propõe para nossas vidas. Passar 40 dias sem comer doces ou toma cerveja pode ser uma penitência para alguns, mas não é nada em vista da penitência de mudar de vida, assumindo a mentalidade do Evangelho.
Serginho Valle
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