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sábado, 9 de março de 2024
sábado, 10 de fevereiro de 2024
Leitura Boa !
Uma boa leitura para conhecer dois corações generosos e cheios de caridade, carisma e amor pelo próximo.
Disponibilizando essa leitura repleta de informações e provações.
1ª parte Irmã Dulce
sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024
Francisco, o mistagogo na Desiderio Desideravi
A Carta Apostólica de Papa Francisco, Desiderio Desideravi (2022), apresenta Papa Francisco na função de mistagogo da Liturgia. Mistagogo no sentido próprio termo: aquele que introduz no Mistério divino celebrado na Liturgia.
Papa Francisco propõe a Carta Apostólica Desiderio Desideravi em estilo meditativo. É o estilo próprio do mistagogo. Ele não se serve de ensinamentos, como se fosse um professor, mas medita, propõe uma “lectio”, uma lição que não tem a finalidade de ensinar conteúdo, mas colocar os destinatários da mensagem em contato com a vida cristã através da Liturgia. Esta é dimensão própria da mistagogia litúrgica: não ensinar, mas meditar o Mistério para tomar contato com a vida. Entrar no Mistério celebrado na Liturgia com a meditação, a exemplo de Maria que, diante do Mistério do Natal, no santuário do presépio, silencia para se colocar em meditação (Lc 2,19). Diante do Mistério divino, o silenciamento.
O que é Mistério (com M maiúsculo
Mistério, na Teologia litúrgica, é um evento, um acontecimento salvífico. A Teologia litúrgica, para falar que um acontecimento é salvador usa o termo Mistério. Assim, o Natal é um Mistério, quer dizer, é um evento histórico no qual Deus age para salvar povo. A Páscoa é o Mistério da Salvação; o evento histórico no qual Deus salva, Deus age salvando pela Ressurreição de Jesus. Na Missa, o padre proclama, no momento da consagração do pão e do vinho, “Eis o Mistério da fé”. Está dizendo que a Eucaristia é um momento, um acontecimento salvífico; momento no qual Deus age salvando.
O termo Mistério vem de “myterion”, em grego. Em latim, esse termo foi traduzido como sacramento. Toda celebração litúrgica é um Mistério: é um momento e um acontecimento salvífico. Por isso, a necessidade e a importância de celebrar bem e com todo o respeito, com o respeito próprio de adorante, o modo próprio e justo de se aproximar do Mistério divino. Em tempos idos, esse momento era cuidado e guardado como “divino arcano”.
O Mistério na Desiderio Desideravi
Do ponto de vista mistagógico, Francisco faz sua catequese aprofundando o sentido litúrgico do Mistério. A Liturgia é um “locus salutis”, um local da Salvação, local onde participamos, onde tomamos parte, onde ingressamos na Salvação divina. Momento no qual Deus salva. Esta Salvação acontece por obra do Espírito Santo. Participar de uma liturgia é tornar-se parte da Salvação; um modo de entrar na Salvação. Quando eu celebro o Sacramento da Reconciliação, por exemplo, eu participo, tomo parte da Salvação divina sendo perdoado dos meus pecados.
Isto, na Eucaristia é ainda mais bonito, manifestado pelo “Desiderio Desideravi” de Jesus: seu desejo ardente de celebrar a Ceia derradeira como Mistério, como local da Salvação. Em latim: “Desiderio desideravi manducat hanc coena vobiscum (Lc 22,15)”. Desejei ardentemente comer esta ceia convosco. Onde Jesus está presente, celebrando a Liturgia, ali acontece a celebração do Mistério, a celebração da Salvação. Celebração não no sentido literal de tornar algo célebre, algo que merece ser comemorado ou recordado, mas celebração como acontecimento que salva. Comparando em termos jurídicos, usa-se a expressão de “celebrar um contrato”. A Liturgia celebra o contrato da Salvação, que nós traduzimos como “testamento”; um Novo Testamento, celebrado, assinado, sancionado com o sangue do Senhor.
Ao sermos iniciados na Liturgia como celebração do Mysterium Fidei — o “Mistério da fé” — proclamado depois da consagração do pão e do vinho em Corpo e Sangue de Jesus, somos levados a compreender que a Liturgia é, em primeiro lugar, um espaço divino porque nela somos envolvidos e participamos da Salvação que Deus oferece. É neste sentido que a Liturgia é terra santa: “desamarrem as sandálias e descansem; este chão é terra santa, irmãos meus”. Qual chão? o chão da Liturgia, terra santa para descansar participando do Mistério da Salvação. Compreendendo bem esta dimensão, começamos a ser iniciados na Liturgia pelo mistagogo Francisco para compreender que a Liturgia é mais divina que humana, por isso é sagrada e bela. É repleta de beleza, no dizer de Papa Francisco, em nada mais nada menos que 11 citações para enfatizar a beleza da Liturgia. Nesta minha reflexão, inspiro-me no número 10 da Desiderio Desideravi e, mais especificamente, a partir do número 21.
Participar do Mistério da Salvação é o exercício de ingressar na beleza divina, que não encanta somente os sentidos da visão e da audição, mas toca o profundo do coração, lá onde se encontra o centro da vida. É o silenciamento que produz a paz interior. Não é, portanto, a beleza pela beleza, mas a beleza que a torna terra santa, lugar de silenciamento, de meditação, que inspira a beleza estética da ars celebrandi, da arte de celebrar. Celebrar com arte é preciso porque o Mistério é grande.
A Liturgia, epifania da unidade da Igreja
Um segundo aspecto da catequese mistagógica do mistagogo Francisco apresenta a Liturgia como um dom de Jesus. Não é argumento retórico; é teológico. Na Liturgia nós participamos como convidados para receber um dom divino oferecido por Jesus. É um olhar de extrema importância porque inverte o nosso ponto de vista: não é a Igreja que celebra a Liturgia para agradar a Deus, mas é o próprio Deus, na pessoa de Jesus, que nos convida — com desejo ardente — a participar (tomar parte, ser parte) da sua vida. Por isso, a Liturgia é um dom divino. Na Desiderio desideravi, a Liturgia como dom encontra-se nos números 3-9.
É desse modo que a Liturgia é lex orandi lex credendi … nós celebramos o que cremos. Para sermos mais pontuais, podemos dizer que celebramos “como cremos”. Este “como” (o modo como se faz a celebração) tem a ver com a fé da Igreja e não de grupos que estão em desacordo ao modo como a Igreja celebra a Liturgia, da Missa e dos Sacramentos. A Igreja, neste nosso tempo, crê, manifesta sua fé, celebrando o dom da Liturgia com uma única Liturgia. A unicidade no modo de celebrar a Liturgia, dom divino, manifesta, é epifania, da unidade da única Igreja reunida em celebração da mesma fé.
Papa Francisco faz questão de ressaltar que este argumento encontra fundamento e validade naquilo que foi decido, por iluminação do Espírito Santo, no Concílio Vaticano II. A Igreja sempre é conduzida pelo Espírito Santo e isso vale também naquilo que é determinado pela Igreja quanto ao seu “modus celebrandi”. O modo de celebrar, como celebramos hoje, é inspiração, no sentido de ser orientação, do Espírito Santo da Igreja reunida em Concílio.
Para além do aspecto jurídico, nós aceitamos a Liturgia como dom divino, dom do Espírito Santo que orienta sua Igreja quando ao modo como a celebramos, cada povo com sua língua, com a presidência voltada para a assembleia dos celebrantes... Isto vale para a Eucaristia, de modo mais evidente, e vale igualmente para todos os Sacramentos e Sacramentais. Dom que nasce do amor e da misericórdia de Deus que, na Liturgia e pela Liturgia, possibilita-nos participar da Salvação divina. Isto em todos os sacramentos. É assim que o mistagogo Francisco fala na Desiderio Desideravi n. 25.
Sobre este tema, do ponto de vista disciplinar, Papa Francisco diz que essa compreensão é decisiva para entender que a crise da Liturgia pode ser descrita como sendo crise da dificuldade de acolher o modo de celebrar o Mysterium Salutis (a Salvação divina). Ora, isso tem a ver com desobediência, de não estar cum Petrus e sub Petrus (Desiderio desideravi, n. 61). A dificuldade gerada pela desobediência ao que propõe a Igreja em Concílio ressalta a importância e a necessidade de uma profunda formação litúrgica que, como diz Francisco, no número 34, inicia-se por se deixar formar pela Liturgia para participar da Salvação divina celebrando a mesma fé e não colocando impedimentos de ordem ideológica ou de inobediência.
A formação litúrgica e o deixar-se formar pela Liturgia
Deixar que a Liturgia nos forme (DD 61) é colocar-se à disposição da pedagogia divina e permitir que ela conduza a vida pessoal. Resistir a isso é complicado porque, do ponto de vista teológico, nega-se fidelidade à Igreja.
O se deixar formar pela Liturgia coloca o celebrante na mesma condição da Mãe de Jesus, no presépio, como lembramos no início deste artigo: silenciamento diante do Mistério com atitude meditativa de quem conserva tudo no coração (Lc 2,19). O gesto da “Virgem do Silêncio”, servindo-me da expressão de Inácio Larrañaga, é de total obediência e fidelidade ao projeto divino diante do “novo de Deus”.
A condição para se deixar formar pela Liturgia encontra-se na iniciação; é preciso ser iniciado na Liturgia. Para tanto, a ênfase no processo mistagógico, como é possível ler nos números 37 e 41 da Desiderio desideravi. Isto serviu de inspiração para eu dedicar um módulo dedicado à formação e à espiritualidade litúrgica no meu curso de PLP – Pastoral Litúrgica Paroquial. Em relação à formação litúrgica, esta não acontece pela informação e explicações, mas pela iniciação, condição para ser formado pela Liturgia. Isto acontece pela dinâmica pedagógica da mistagogia.
Quando a mistagogia não está presente, como aconteceu em vários momentos da história, a Liturgia começa a perder uma de suas dimensões fundamentais: ser fonte para a formação e o crescimento da vida cristã (SC 1 e SC 10). No passado, quando a mistagogia começou ser negligenciada, as celebrações começaram a ser invadidas por atrações artísticas, como é o caso de corais e concertos durante as Missas, invadidas por promessas de milagres com Missas votivas para todo tipo de necessidade, invadidas por disputas teológicas com sermões que fizeram história... Ou seja, mudança de foco: em vez de ser formado pela Liturgia, com a pedagogia mistagógica, o predomínio da estética, do milagre, de debates... Hoje, o mesmo sequestro do arcano, do respeito pelo religioso em celebrações litúrgicas, da mistagogia, continua acontecendo.
Sequestrado em Missas que se servem da linguagem de entretenimentos, em casamentos com linguagem teatralizada de ritos inspirados em novelas e não no Sacramento, em confissões transformadas em terapia. É a troca da essência litúrgica, que é encontro com Jesus Cristo, oferecendo a Salvação, por atrações do momento. Celebra-se, nesses casos, para agradar, e se esquece que a Liturgia é atitude, na qualidade de arcano, não se conforma com a linguagem do mundo; serve-se da comunicação humana, de linguagens humanas, mas não da linguagem do mundo para entreter. Formar-se pela Liturgia é assumir compromisso com o projeto divino. E isso deverá ser celebrado de modo agradável e com a simplicidade própria da Liturgia (cf. SC 28; 34).
Celebração e compromisso com a vida cristã
Assim como a Liturgia celebra e atualiza o Mistério, os celebrantes que participam da Liturgia se comprometem com o que celebram assumindo atitudes da Salvação, do Reino de Deus e do Evangelho e são iniciados no projeto divino pela pedagogia mistagógica. Iniciados na linguagem litúrgica do Mistério. Eu trato deste aspecto no meu curso de PLP – Pastoral Litúrgica Paroquial considerando que a PLP existe para que, de modo organizado e planejado, possa alcançar o melhor em todas as dimensões da Liturgia, principalmente favorecer nos celebrantes a possibilidade de se deixarem formar pela Liturgia no processo mistagógico.
O mistagogo Francisco, desse modo, introduz os celebrantes no Mistério da Liturgia pelo aprofundamento em vista de acolher a Liturgia como momento no qual participamos da Salvação. Isto pode ser melhor compreendido no número 61, onde o Papa deixa claro que a Liturgia “sempre foi a fonte primária da espiritualidade cristã” (DD 61). O modo de ser a “fonte primária da espiritualidade cristã” é aquele mistagógico, proposto pela pedagogia mistagógica desde os primeiros séculos da Igreja.
O processo mistagógico não se concentra no conhecimento do que é cada momento ou cada símbolo ou cada rito que compõem uma celebração Litúrgica, mas em iniciar e introduzir o celebrante no Mistério celebrado para que possa ter um real envolvimento existencial, envolvimento com a própria vida, com toda a existência em vista da “conformação a Cristo” (DD 41). Sobre isso, neste mesmo DD 41, Papa Francisco deixa claro que a Liturgia tem uma dimensão pedagógica que, embora não seja a de principal importância, não pode ser prescindida. E isso vale especialmente e necessariamente para os nossos tempos.
Esta é uma proposta que procuro desenvolver e aprofundar, nos limites do curso de PLP, com os cursistas. A Pastoral Litúrgica é uma dimensão da Liturgia e, no contexto da PLP, a formação da vida cristã também se configura como uma dimensão. Trata-se, bem entendido, de uma dimensão que merece ser considerada com cuidado e atenção em nossos tempos. Como os mistagogos dos primeiros séculos da Igreja, que na Liturgia e através da Liturgia, ensinavam a arte de viver a fé cristã no caminho do discipulado, assim Francisco quer que a Liturgia seja escola da vida cristã, como dizia São Paulo VI. Escola da vida cristã que sempre se realiza — alcança um de seus objetivos — no discipulado e na configuração a Cristo. Como dizia, este é um tema central meu curso de PLP, que poderá ser acessado no site do SAL - Serviço de Animação Litúrgica no endereço www.liturgia.pro.br ou entrando em contato conosco pelo e-mail: liturgia@liturgia.pro.br
Talvez, você esteja se perguntando: como é algo que contém um certo grau de profundidade, como os celebrantes podem compreender isso? Aqui, podemos um motivo derivante da Carta Apostólica de Papa Francisco Desiderio Desideravi: a importância da formação litúrgica na vida dos celebrantes. E para que a formação seja efetiva, é importante que a PLP - Pastoral Litúrgica Paroquial - tenha um programa formativo, não apenas intelectual, mas experiencial. Na prática, não se trata de uma mudança de modo, mas de um modo novo e diferente de participar e comungar a vida divina na Liturgia. E quando isto é considerado, começa-se a compreender a Liturgia como fonte e cume de todas as atividades da Igreja (SC 10).
Serginho Valle
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